quarta-feira, 14 de julho de 2010

Senilidade

Se for uma brincadeira é de muito mau gosto.
Estou aqui tranquila, lendo meu livro e passa esse homem, quase da minha idade, me chamando de mãe.
Minha vontade é mandar ele pastar, dizer um palavrão. Acho que já fiz isso, não adiantou.
- Não tenho idade para ser sua mãe, meu filho tem 3 anos.
Sinto falta do meu menino. Agora com essa doença, acho que ele tem passado mais tempo na casa da minha irmã, mas não tenho certeza disso também. Sinto muita falta do meu bêbe.
Dia desses eu cheguei em casa na hora do almoço e ele pulou no meu colo, bagunçou meu cabelo, disse que estava me arrumando. Depois eu desfilei para ele pela sala e ele adorou e pediu "de novo mamãe". Mas com essa doença, quase não o vejo mais.

Outra que não engulo é essa moça me seguindo, pajeando. Xingo mesmo. Às vezes não dá tempo de chegar ao banheiro e eu sujo a casa. Doença horrível! Mas pelo menos essa moça faz alguma coisa além de ficar me olhando com cara de boba.

E agora esse homem. Lembro de tê-lo visto num casamento, acho que é alguém da família, mas não consigo lembrar quem é. Queria perguntar para o Eduardo, mas ele está no hospital. Não sei porque não me levam mais para visitá-lo.
Outro dia veio uma velha senhora me buscar, disse que ia me levar para ver o Eduardo. Mas não fomos ao hospital, fomos a um cemitério. Acho que onde papai está enterrado. Nunca gostei de enterros e cemitérios. Sempre achei que não valia a pena, não era lá que estava meu pai e aquele lugar lembrava um dia triste, o da sua morte. Prefiro lembrar de outros momentos com ele, vivo. Mas não fomos ao hospital e não pude conversar com o Eduardo.

O tal homem sempre aparece à noite, diz que veio me ver, saber como estou.
Ora, estou muito bem, só preciso ficar boa logo para voltar ao trabalho e cuidar do meu filho.
Pergunto por Davi, mas ele não responde nada, abaixa a vista. Será que está doente e não querem me contar?

Peço para falar com a Inez, mas vem aquela velha senhora conversar abobrinhas, a gente reza juntas, mas não me dá notícias nem do Davi nem do Eduardo. Sinto tanta falta deles.

De tudo isso o que me incomoda mais são essas fotos de uma velha senhora, de cabelos muito brancos, de uns 80 anos, magra e encurvada. Essas fotos pregadas nos espelhos da casa. Isso já é demais! 
Será algum ensaio artístico? Mas não lembro de ter fotografado essa velha senhora. Quando for visitar Eduardo vou perguntar a ele.

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