sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O que muda a gente - I

Muda-se um pouquinho, ou pouco mais, todo dia, com cada nova experiência, cada novo acontecimento.
Algumas mudanças que vieram com a maternidade são bem notórias.
Sempre achei que não tinha jeito com criança, bebês, não sabia como segurá-los, maiores, não sabia o que dizer, como brincar.
Agora, não me faço de rogada, não resisto, rio, faço careta, brinco, canto, não importa onde, e gostam, riem e brincam comigo. As mães e pais ficam desconfiados, mas meu interesse genuíno pelos pequenos logo os desarma.
Outro dia, numa pizzaria, com amigos do trabalho e suas famílias, enquanto todos comiam e conversavam, eu, Davi, Sofia e Júlia, brincávamos de roda no meio do restaurante, que infelizmente não dispunha de um clubinho ou área reservada para crianças.
Equanto Júlia, quase 4 anos, cantava, Sofia, a mesma idade, dançava balançando o vestido, e Davi, o caçula da turma, tentava imitar minha coreografia.
Minha amiga brincou:
- Vou te chamar sempre que formos jantar fora.
Engraçadinha.
Mas cá entre nós, apesar de querer também conversar e dar atenção aos meus contemporâneos, me diverti muito com as crianças. Nessas horas volto a ser menina.
Outras mudanças são menos aparentes, como a autoconfiança que se vai adquirindo com o tempo pelo fato de estar responsável por outra pessoa, como a perda total de vergonha de pedir ajuda porque o que importa é atender à necessidade do seu filho.
Mas nesse caminho novo, algumas das nossas qualidades e defeitos se exacerbam e ficam mais evidentes.
E então o que quero dizer é que, além da imensa alegria pela própria existência dessa pessoa, ainda temos mais a ganhar, é só abrir os olhos e ver.
Tem tanto mais que muda a gente não é mesmo? Uma paixão, a morte de alguém, os amigos - o que muda a gente - II, III, e tarará. Cada uma a sua maneira, mas um filho é um filho.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Cipoal

A história de início me casou estranhamento.
- Que marmota é essa?
Uma família composta por um pai, um amigo do pai, e um par de gêmeos univitelinos cuja mãe, que morre no nascimento dos filhos, é uma incógnita envolta em segredo de perseguida política da ditadura militar.
O interesse exagerado de um pelos objetos deixados pela mãe, a necessidade do outro de estar sempre perto do irmão.
O pai que, com o nascimento dos filhos idênticos, fica obcecado pela questão dos duplos (Caim e Abel, Rômulo e Remo, Castor e Pólux).
E a cidade do Cairo, onde vai se encaixar?
Como tudo isso pode fazer sentido junto numa narrativa?
O título "Do fundo do poço se vê a lua" é decifrado apenas nas últimas páginas.
Fiquei triste. Com minha visão romântica da vida, esperava um final, surpreendetemente e inexplicavelmente, feliz para o personagem narrador.
Uma história cheia, bastante cheia, beirando o caos, que li ressabiada, assustada, curiosa, emocionada, necessariamente nesta ordem.
Das muitas críticas que li na tentativa de resumir melhor meu sentimento sobre este livro, uma frase eu copio aqui:
"E assim, um estranho suspense, entre o grotesco e o fascinante, nos leva velozmente até a última página." *
Por sorte, não procurei muitas resenhas antes de lê-lo, talvez algumas me tivessem feito desistir da compra, porque sim, sou bastante influenciável e moralista, e ainda assim, adorei a leitura.

Link do livro na editora Companhia das Letras.
Crítica de Daniel Benevides de onde tirei a frase acima em Crítica Bravo Online.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Gosto de sal

Não é a primeira, nem a segunda vez que leio esse livro.
Não entendo porque motivo, lembrava-me apenas do início, e no curso da leitura, de alguns personagens do meio e fim, mas de nada sobre como os acontecimentos estavam relacionados no livro.
Li numa voracidade veloz essa realidade criada pelo autor na qual tudo tem seu lugar no enredo, nada fica solto, à deriva, nada ao acaso.
Diálogos interrompidos por sonhos do personagem, e aulas - sobre cinema, pedras preciosas, história, literatura - dadas pelo autor na pele do protagonista.
Fatos e lembranças e relevações se sucedem e prendem a atenção até o fim.
E daí?
Daí que preciso ler mais desse autor.
Agosto, Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos e 64 Contos de Rubem Fonseca deram o gosto do que perderei se não ler mais dele.

Quer uma provinha?  Portal Literal - Rubem Fonseca

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Devaneios sobre uma sapatilha azul

Caminhando daquele meu jeito apressado, quando, tlec, a sandália arrebenta.
(palavrões) E agora?
Logo ao lado uma loja. Sapatilhas e mais sapatilhas de todas as cores, as mais vibrantes que já vi em minha vida.
Nem nos desfiles de moda mais arrojados vi cores tão escandalosas.
Saio, olho em redor. Não, não há nenhuma outra sapataria por perto.
Volto e agora uma vendedora vem até mim e pergunta se pode ajudar.
Falo sobre a sandália quebrada.
Ela me mostra vários modelos que na verdade são apenas um, mudam apenas de cor.
Qual escolher?
Pergunto se não há cores mais neutras, creme, preto?
- Não, estas são as cores da estação, estão fazendo muito sucesso.
Como pode ser isso se nunca vi nenhuma mulher usando algo naquelas cores berrantes?
Bem, a outra opção é andar com um pé calçado e outro descalço.
Enfim, depois de muito olhar, acabo me conformando e escolhendo um azul turquesa.
Ao menos é azul.
Saio da loja e todos me olham, não importa que olhem para meu rosto, não importa que sorriam, eu vejo apenas reprovação e escárnio.
Na parada de ônibus sinto-me ainda pior, em pé ao lado do poste, virei alvo do assombro dos passageiros.
Meu rosto vermelho, vontade de chorar, sair correndo, me esconder, como nos sonhos em que se anda nu pelas ruas.
Dentro do ônibus me sento no canto e tento esconder os pés embaixo do banco.
Olho pela janela e, por alguns instantes, esqueço quão ridícula estou.
Mas um olhar insistente me faz virar o rosto.
Uma menina examina detidamente meus pés.
Levanto e dou sinal, já perto da porta ouço a vozinha:
- Mamãe, olhe que sapatilha linda, quero uma pra mim, dessa cor.
Olho para trás e o sorriso da menina dissipa minha desconfiança e me desarma. Sorrio de volta.
Um sorriso apenas, e a sapatilha parece não ser assim tão grotesca.
Sigo bailando, olhando as pessoas nos olhos, nem desaprovação, nem zombaria.