sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Junto

É bom vê-lo crescer.
Quando sorri, quando faz festa na nossa chegada, quando faz carinho ou fica dengoso, desconfio que estamos no caminho certo.
Timidez não é com ele. Ele se chega, conversa, abraça, qualquer um que dê brecha e quem não der também.
É simpático, alegre, não teme nada, nem ninguém.
Já me disseram que isso é perigoso, mas é tão pequeno ainda.
Logo terei que explicar a ele que nem todas as pessoas são confiáveis, que existem pessoas más.
Sim, meu estômago revira e rezo muito quando ouço sobre abusos contra crianças. Meu sentimento é de tristeza profunda e vergonha da raça humana, além do medo por meu filho.
Mas a minha crença na bondade ainda supera o medo. E por enquanto, prefiro não tirar os olhos dele a assustá-lo com histórias de homens do saco e lobos maus.
Por enquanto apenas peço que ele fique perto de mim porque pode se perder e não ver a mamãe nunca mais e que mamãe vai chorar muito se isso acontecer.
"No colo ou segurando a mão da mamãe." Como não quer ficar no colo aceita a mãe, por algum tempo até a próxima fuga.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vaidade

Não sei se existem categorias de vaidade.
A minha está mais ligada à boa forma física, aos cuidados com a pele.
Não me interessa estar bem apenas quando escondida sob roupas e maquiagens.
É claro que, como toda mulher, quero acertar na produção e arrasar em ocasiões festivas, mas elas são tão raras, e não tenho hábito de me produzir no dia a dia. Vejo minha irmã, com maquiagem leve, vestidos lindo, cabelos soltos, para levar o filho ao médico, e invejo, não vou mentir, invejo o capricho, a beleza.
Mas não consigo, sempre prometo dar mais atenção ao batom, aos brincos, às roupas, mas por fim, fico assim como sou, desse jeito meio largado, mais esportivo.
Onde me sinto à vontade com minha beleza - admitindo que todos são belos de alguma forma ou para alguém - é na praia, sem nenhuma produção, em roupa de banho, ou no parque de short e camiseta.
É nesses ambientes que mais vejo os defeitos, as sobras.
Por isso essa minha preocupação em perder esses cinco quilos ganhos com facilidade nos últimos meses, esses quilinhos que teimam em ficar.
É verdade que deixei a natação e, por algum tempo, não substituí por nenhum outro exercício, mas não imaginava que fizesse tanta diferença. Pensava eu que sendo diabética e estando eternamente de dieta não ganharia peso.
"Tu engordou? Onde? Deixa de conversa!" é o que todos dizem.
É que as gordurinhas estão bem aqui, na barriga, quadris, bem disfarçadas pelas roupas.
E não é exagero meu, minhas calças é que acusam, algumas não passam das coxas, as outras estão justas demais.
"Está ótima, só o bacaterol!" - elogia um, mas ao mesmo tempo rebate - "Está ficando velha, pensou que ia ser magrinha a vida toda?"
Me recuso a continuar gordinha, é deselegante e dispendioso.

Lei

Certo ou errado, santa ou puta, céu ou inferno.
Os pecados serão para sempre cobrados e purgados.
Os acertos não são mais que obrigação.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Nossa barraca

Nossa barraca não tem glamour, não tem status, não está na moda.
Antes de falar mais, deixa eu explicar para quem não conhece as praias do Ceará, que as barracas são construções, com restaurante, banheiros, chuveiros, churrasqueira, algumas até piscina tem, e que se estendem até o mar com guarda-sóis e mesas e cadeiras de plástico, nas quais os banhistas se acomodam e onde são atendidos por garçons de tais estabelecimentos.
Muitos banhistas preferem as mais elitistas, aquelas com perímetro bem demarcado, com estrutura caprichada e  frequentadores das classes mais altas, e não se importam de pagar muito mais por isso.
Eu porém prefiro a simplicidade, familiaridade, o bom serviço e o preço justo da "nossa" barraca.
Algumas dessas barracas mais badaladas colocam cadeiras quase dentro do mar, não sobra espaço nenhum.
As mesas, cadeiras e guarda-sóis da "nossa" barraca - aquela que constumamos frequentar - ficam longe do mar, afinal criança quando vai à praia não é para ficar sentada na sombra, quer espaço, quer correr, tomar banho, soltar pipa.
Em nossa barraca podemos deixar as chaves, bolsas, o que for com os funcionários. Na volta do mar, rapidinho a água de côco e o que mais perdirmos está na mesa.
Davi entra na cozinha, assunta tudo, brinca e dança na grama - que eu adoro, porque dar banho para o menino voltar para areia é cruel.
Está certo que a aparência também conta, mas o que queremos é nos sentir bem, bem recebidos, bem servidos.
Vou sim a outras barracas, mas apenas quando algum amigo ou  minha irmã marca de nos encontrar e prefere as tais barracas elitistas.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Amizade

"... não entendo amizade como uma soma de gestos recíprocos, não compreendo amizade que contabiliza, que anota visitas e cartas, que alega, que exige exclusividade, que tem como preocupação constante o receio de desagradar, amizade que cansa, fazendo recriminações constantes, amizade que absorve e que escraviza.
Amigos se dizem mutuamente as coisas de forma clara e direta, ..., não ficam a fechar a cara, a torcer caminho, cultivando lundu, explorando mágoa, ocultando sentimento.
Amigos se dizem o que sentem, simplesmente, ...
Seria medonho entender amizade apenas como a visita diária, o ver-se frequentemente, o cartear-se amiúde, regularmente, esse jogo de ping-pong afetivo, a repetição de compromissos de fidelidade, o presentinho, os clássicos protestos de estima e consideração das cartas oficiais.
...
Seria horrível imaginar como amizade a convivência dos que se insinuam na estima alheia e vão trabalhando aos poucos no sentido de impor-se como modelo, dos que pretendem projetar nos outros a sua personalidade, dos que exigem dos amigos reações iguais às suas, dos que querem os amigos à sua imagem e semelhança, dos que pretendem determinar aos amigos as atitudes que normalmente, e em princípio, devem ser tomadas de modo espontâneo, esquecidos de que cada um tem sua forma particular de agir e de reagir, que cada um, como diz o outro, "é um sopro de Deus que não se repete".
Seria insuportável ter como amigos os egoístas, os avarentos que, no fundo, só são amigos de si mesmos - os que não sabem compreender e perdoar, os que exigem posição de primeiro plano no nosso afeto, os que esmagam mesmo protestando afeição) e acabam configurando um tipo de relação humana que , escondida sob o nome de amizade, não passa de conta-corrente afetiva, talvez jogo de interesse, troca de pequenos ou grandes favores, hipocrisia.
Amizade é outra coisa, não se impõe, não se força, não se compra, não se transfere, não se delibera, tem a sua linguagem própria, até nos silêncios, nos gestos mais simples...
Amizade é um sentimento muito nobre, muito alto, muito puro, muito profundo, muito sério, muito verdadeiro, muito poderoso, muito belo, muito especial...
É um sentimento tão fabuloso que a palavra amigo não admite adjetivo ao seu lado, tem que vir sozinha, porque é impossível falar em "amigo bom", sem tombar num pleonasmo grosseiro, não se pode falar em "amigo ruim" sem cair em contradição: neste ponto a amizade é tão exigente como a honestidade, não permite superlativo, nem aceita meio termo.
Amizade é confiança mútua, é ajuda, é lealdade, é uma forma de identificação, é a solidariedade nos momentos difíceis, mais do que nas horas festivas; é respeito recíproco, sem quebra de naturalidade, da liberdade de agir e de falar, é aceitação da outra personalidade sem prejuízo da sua própria, é aceitação do amigo, incondicionalmente, no conjunto, com toda sua bagagem de virtudes, defeitos, pecados e graças.
Os que saem desta concepção (bastante ampla, é certo, mas inegavelmente veradeira), os que exigem festejo constante, reverência permanente, os que se habituam a interpretar a seu modo as atitudes dos amigos, mesmo as mais bem intencionadas, com relação a eles e se precipitam em conclusões fáceis e falsas, estes ficam repetindo aborrecimentos recíprocos que terminam gastando tudo...
E que eu, particularmente, me rejubile ... pelos amigos que tenho e que não mereço, assim como são - e que me aceitam, assim como eu sou."

José Milton de Vasconcelos Dias - Cartas sem Resposta - Da Amizade (1974)
Fonte: Antologia Terra da Luz - Prosadores (1998)