terça-feira, 31 de maio de 2011

Uma segunda-feira como outra qualquer

De manhã cedo a caminho do trabalho, preocupada com a nova babá, se vai saber cuidar do Davi, se vão se dar bem, se é honesta, torcendo para que dê certo desta vez.
A caminho do trabalho, vejo uma garota com sapatos vermelhos de saltos altíssimos, vai desfilando, e se estiver atrasada pro trabalho, não parece preocupada, parece feliz em chamar atenção.
Na volta do trabalho, depois de uma consulta, a avenida movimentada, início da noite, trânsito intenso, mas ainda fluindo, carros de luxo, importados, carros velhos, carros com anúncio de vende-se. Passo ao lado da empresa onde trabalha uma amiga, digo um alô em pensamento ("oi amiga Alessandra").
Passo em frente ao Mercadinho Japonês, faz tempo não compramos frutas lá, por comodidade estamos comprando no supermercado perto de casa.
Vejo a menina de shortinho, tênis, cabelo solto, caderno na mão, para a aula de inglês?
Carro parado, e eu escrevendo, dez metros e uma eternidade de casa, a espera de algum motorista educado que não feche o cruzamento.

Poeminha da dor de cotovelo

Saber que se olha no espelho, toma banho, penteia o cabelo, sem lembrar de mim,
saber que se veste, sai, dirige, trabalha, estuda, sem lembrar de mim,
saber que se desveste, ama, ri e chora, come e bebe, e tudo sem lembrar de mim.
Saber que vive e é feliz sem lembrar de mim dói ainda mais que saber que não me ama, mais.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Grande demais

Historinha para Mateus, tia Inez, tio Wellington, tia Lúcia, tio Nilton, tia Jane, vovó e todos os que cabem nesse imenso coração do Davi.
Brincando com Davi de noite, ele olha pra mim e pergunta:
- Cadê meu papai, eu quero meu papai.
- Está na faculdade Davi, chega já.
- Não gosto de você, quero meu papai.
Olhei para ele com cara de riso e continuamos brincando. Recebi muitos abraços apertados depois dessa conversa.
Mais tarde enquanto o preparava para dormir, relembrei a nossa conversa e disse:
- O Davi tem um coração grande, cabe mamãe, papai, vovó, quem mais?
- Mateus.  (primo)
- A tia Inez, tio Wellington, quem mais? (pais do Mateus)
- Tia Jane. (irmã do papai)
- E a tia Lúcia. Você lembra da tia Lúcia que viajou para Portugual?
- Foi comprar o trem.
Ri muito e me emocionei, porque ele lembrou que no retorno da primeira temporada em Portugal, Lúcia e Nilton, trouxeram para ele trenzinhos de um desenho animado que ele gosta. E isso foi há quase um ano.
Davi pediu os seus trens. Fomos ao seu quarto e ele trouxe todos, os que ganhou dos tios e os que compramos por aqui, e levou para a cama.
Um coração grande demais e a memória heim?
Sempre nos surpreendendo.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cirurgia

Eu nunca passei por uma, quer dizer, a única foi o parto cesária do Davi.
E agora meu filho, anestesia geral, para retirada das adenóides e amígdalas. Não vou falar dos motivos da cirurgia. Depois de muito conversar, mas principalmente de considerar a recomendação das médicas, pediatra e otorrino, nas quais confio, e apesar de minha mãe e irmã serem terminantemente contra, marcamos a consulta com o cirurgião e no dia seguinte estávamos no hospital.
Vê-lo ser sedado foi terrível e a espera, angustiante, ouvir o choro de outra criança também. Quando ouvi o chorinho e a vozinha rouca do Davi chamando a mamãe, pedi para entrar, em pouco estava com ele no colo, num abraço apertado. Ainda confuso, e enjoado, ele tentava arrancar com a mão o tubo e o acesso usado agora para o soro e depois para o antibiótico. Depois de vomitar, ele se acalmou e cochilou no meu colo.
A despeito de tudo, ele está sendo um menino muito bom, ficou calmo após a cirurgia, quando a dor aumentava vinha para meu colo e cochilava choramingando.
Ainda não está falando normalmente, nos primeiros dias eram só gemidos e gestos para mostrar o que queria.
Fiquei nervosa com a recusa inicial de se alimentar, mas Davi é um menino fora do comum. Hoje, terceiro dia após a cirurgia, devia estar começando a tomar sopas mais grossinhas e mingaus, mas não teve conversa, pediu comida, arroz, feijão e frango e comeu bem.
Algumas pessoas podem pensar que fui fria, quase não chorei, mas durante todo esse tempo, reuni as forças que tinha e as que não tinha para passar segurança para meu filho, para que ele sinta que estamos aqui, e que tudo ficará bem. Como não há uma mágica que permita às mães sofrerem no lugar de seus filhos, tentei ao menos, confortá-lo e dar muito carinho e amor.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Muitos filhos



A família ideal para mim sempre foi a numerosa, com muitos filhos.
Tenho duas irmãs e gosto muito delas e de ter irmãs.
Sonhava ter três ou quatro filhos.
Mas depois de perder o primeiro filho aos 24 anos, e de ficar diabética, demorei muito para decidir engravidar novamente.
Davi nasceu quando eu estava para completar 35 anos. E agora não penso em ter outro ou outros filhos.
Adoro crianças, bêbes, mas quando imagino passar por tudinho de novo, não tenho mais forças, disposição, não sei.
Adoro ser mãe e posso dizer que agora me sinto bem confortável nesse papel, mas os primeiros meses foram difíceis. Quase não curti, tamanha era a tensão, preocupação, inexperiência.
Diz uma tia para não pensar que todo penso é torto. Mas eu pensei muito antes de ter o Davi e não seria diferente com um segundo filho.
Sempre achei que filhos devem ter irmãos, que ter irmãos é bom e necessário.
Mas um outro filho em função do primeiro, para ele, por ele, não é assim que deve ser.
Admiro e invejo quem tem uma prole maior.
E como tudo que é definitivo assusta, digo "o futuro a Deus pertence".

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Uma eternidade

Pois sim, acho que demoro excessivamente para superar meus traumas, perdas, desilusões.
Não que eu fique falando deles sempre, quem sabe deles sou eu.
Estão aqui dentro bem guardados, e ninguém sabe o que significam para mim, apenas eu.
Estava hoje mesmo falando disso com a afilhada Rafaela, nova moradora da minha cidade natal, Brasília. Cidade que completou 51 anos dia 21 de abril.
A cidade da minha infância e início da adolescência, dos monumentos, parques, quadras, entre-quadras, moramos em vários lugares antes da casa de onde saímos para o aeroporto e daí para Fortaleza.
De todos tenho recordações felizes. Uma infância feliz.
Saímos de lá há 27 anos e não voltei mais. Mamãe voltou, minha irmã voltou. Mas eu não.
Porque o medo? Não pelo que vivemos lá, mas por tudo que aconteceu depois. Por causa do corte brutal. Hoje posso dizer que enquanto se tem pai e mãe, qualquer lugar é lugar, para nós pouco importava lá ou cá. Adapta-se, faz-se novos amigos.
Mas a perda que veio depois tornou a cidade, os endereços onde moramos, os lugares de nossos passeios, lembranças do pai vivo, e o vazio da falta dele desce difícil pela garganta com um nó imenso.
O despojo de tudo que era nosso quando ele era vivo. O declínio que veio depois que saímos de lá.
Não, eu não poderia ser uma turista despreocupada em minha cidade natal.
Por isso o medo. E também porque demoro excessivamente para superar meus traumas, perdas, desilusões.
Eu é que sei deles, e o que significam para mim.