sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Carregador

Tinha muito que carregar.
Foi acumulando com o tempo.
Sentia orgulho.
De todos a quem amava, de cada um levava alguns.
Nunca o pediram e nem ele perguntou se queriam que ele os tomasse para si.
Nem precisava, era seu encargo, acreditava.
E foi ajuntando.
Confiante, inabalável.
Um dia cambaleou ante a carga, tropeçou e deixou cair, e caiu ele mesmo.
Ao levantar a cabeça, a viu, ela o olhava muito triste, magoada.
Estavam juntos nesse caminho.
Ela era seu sustentáculo, o motivo, a causa e o efeito.
E ele com muito esforço, levantou-se, machucado, dorido, e rápido ergueu o pacote.
Pediu perdão, disse que ainda tinha forças, que levaria sim, aquele bem tão precioso, sim, até o fim.
Ela, que sempre acreditou, agora duvidava.
Ele teve que admitir que era muito pesado o fardo e foi devolvendo uns pelo caminho: dos irmãos, da mãe, dos amigos.
Mas ainda assim parecia difícil, depois de tudo, penoso suportar.
Olhou para ela, olhos castanhos inquisidores.
Colheu com cuidado o volume e o devolveu.
Parecia ter compreendido que ninguém pode livrá-lo de seu fardo e ele não pode ser, não é, nem nunca foi na verdade, o livrador dos alheios.
Mas o tempo passou e ele voltou a amontoar cuidados.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Pedintes nossos de cada dia

- Filha, estou com vergonha de pedir, mas preciso de três e oitenta.
Setenta anos talvez, de óculos quadrados, roupas velhas porém limpas. Parecia mesmo sem jeito de ter que pedir.
Tirei os cinco reais que tinha na carteira e dei.
- É Deus, minha filha, só pode ser.
  Não tinha pedido a ninguém, estava sem coragem, você foi a primeira pessoa a quem pedi.
  Obrigada. - falou assim na carreira, com cara de gratidão e alívio.
- De nada. Faça bom uso.

Andava fazendo mungangos, no meio da pista, fazendo sinal para os carros passarem, com a flanela e o rodinho na mão.
Flanelinhas, esse garotos, ou nem tanto, que nos abordam nos sinais, oferecendo o serviço de limpeza dos vidros dianteiro e traseiro.
- Tia.
- Vem logo - grita o outro que vai adianta.
- Espera que a tia vai me dar o do lanche.
Tenho umas moedas separadas no carro.
- Ô um e cinquenta lindo!
Algumas pessoas que assistem do outro lado da calçada acham graça.
- E eu tia? - grita o outro.
- Dividam vocês - respondo, mas acho que nem me ouviram, já iam longe.

E espero que façam bom uso.
Se bem que o que é bom uso para eles pode não ser para mim.
Mas aí são outros cinco, outros um real e cinquenta.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

terça-feira, 14 de setembro de 2010

S.Bernardo

Não conheci nenhum Paulo Honório, conhecesse e talvez sentisse a mesma indignação de Madalena.
Estranho alguém como ele admitir ter estragado estupidamente sua vida, ter tratado a todos como bichos. Ser assim tão duro consigo. Natural seria enaltecer seus feitos, manter a impáfia, justificar sua história.
Talvez a morte de Madalena tenha mudado tudo.
E esta mulher, porque entre todas as recomendações deixadas antes de dar cabo de sua vida, nenhuma dizia sobre o filho?

Da leitura de S.Bernardo, romance de Graciliano Ramos.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Como bicho

Cabelinhos encaracolados, pele negra, pequenino, não chora quando a mãe o levanta pelo braço e lhe dá um tapa na mão. Algo como um grunhido, uma reclamação.
Feito bichos, desde muito cedo, na rudeza do trato.
Ainda quando parece chorar, um simulacro, não saem lágrimas dos olhos.
Mesmo porte, cor e cabelo, gêmeos, mas rostinhos diferentes. A menina é tratada com mais carinho.
Mãe jovem, tatuagens nas costas e pernas, roupa minúscula e colada no corpo redondo e sem cintura. Sempre séria. Não ouvi sua vez uma vez sequer. O olhar duro e o tapa eram suficientes para o adestramento.
A espera é difícil, o lugar quente, as crianças começavam a se irritar.
A menina agora é acalentada no colo, o menino recebe mais uns sopapos para ficar quieto e outro tapa por jogar no chão o bico, pela terceira vez.
Alguns, olhamos com interesse para a cena e para as crianças.
O menino recebe um carinho de um senhor que está sentado, se pai, avô, tio, não sei. Uma trégua.
Esse é que vai crescer para não saber sentir, viver na dureza, na peleja, talvez, quem sabe, um filho traga um pouco de doçura a sua vida, no futuro.
Por enquanto, é como bicho.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Otite

Dipirona, paracetamol ou ibuprofeno?
De quantas em quantas horas?
E se a febre não baixar?
Se a dor não passar?
Antiinflamatório no lugar do corticosteróide.
Manter o antibiótico.
Exames, de sangue.
Cromoglicato dissódico ou furoato de fluticasona?
Pode ser o genérico?
E se não melhorar?
Quantos dias aguardo os remédios começarem a fazer efeito?
Ave-Maria cheia de graça ...