sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Casinha Maldita

Um portãozinho simpático, pintado de branco, um corredor ocupado por um banco de madeira, debaixo da janela do quarto. No fim do corredor, a porta.
Casinha de vila.
Os móveis não condizem com o tamanho e a simplicidade do lugar.
O gesso do forro quebrado em vários pontos, alguns pedaços dependurados parecem prestes a cair, os fios de arame à mostra.
Na cozinha, improvisada num dos quartos, a mesa é demasiado grande, assim como os armários. O fogão enferrujado destoa.
Ali quase não há mais forro, as vigas e telhas aparecem.
Em dia de chuva, a casa é uma peneira.
Outro corredor leva ao que deveria ser cozinha, mas foi transformado em área de serviço.
Um varal toma conta deste corredor e do último compartimento.
No chão um motor barulhento puxa água do poço. Quando o motor quebra, a única forma de ter água é pegar com baldes direto do poço.
O único banheiro fica no fim da casa, com uma pequena janela, com astes de ferro como de prisão, aberta para o exterior, mal coberta por uma toalha.
Nenhuma privacidade. Pelos telhados das casas, andam homens, meninos.
Nos cantos desse último compartimento, buracos, pequenos buracos de ratos. Não havia veneno, nem cimento, nada impedia que eles proliferassem.
O quintal da casa que fazia limite com a casinha de vila era um criadouro desses bichos.
E eles tomavam conta de tudo. Durante à noite, passeavam pela casa, subiam no armário da cozinha, derrubavam latas de mantimentos, assustando mãe e filha que dormiam na sala.
Donos e habituados, passaram à sala, passeando por debaixo do sofá-cama e da rede.
Insone, a menina passava longas horas tentando espantar os bichos.
Foram muitos anos nesta casinha que habita os pesadelos das três meninas, que hoje moram em apartamentos, e não são mais meninas.

Casinha da Vila São Francisco, 1987-1996

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